domingo, 21 de março de 2010

Ponto Morto

Por Viveca Santana

Submersa em alguns litros d água, via peixes de todas as cores vestindo seu corpo como um véu líquido, devassando sua pele branca.
Olhos abertos no turvo, bolhas surgiam expiradas do peito, tensas e envoltas numa mistura de leveza e peso.
Leves suspiros guardados sopravam de um pulmão cinza, de mulher enjaulada em vícios, frases não ditas e noites mal dormidas.
Na superfície deixavam-se levar pela brisa quente, destino de todos os sonhos, que se partiam fácil como plástico-bolha, em uma mania adquirida em dias de carências de sofá de casa, maços de cigarro e café requentado.
O corpo desejava a terra firme, a areia seca, a angustiosa ordem que virava um musical com jeito de Aznavour, impregnado de saudade e expectativas de recomeço.
Mas enchia de medo a ideia árdua de voltar.
Assim, teimava entre a superfície e o retorno pro fundo, desafiando a gravidade, indecisa entre a proteção da água e a pungência colorida do sol.
A dúvida a estabilizava em ponto morto entre um mundo e outro, doendo costelas e peito, esfriando o estômago, fazendo ranger dentes com a força insistente da indecisão, de quem se acostumou com a inércia e o abandono.
Voltar doía e cansava tanto, que pensava em desistir.
Devia deixar flutuar livre e de braços abertos ou descer ancorada de volta pro fundo, casa de suas ausências, casa de desejos sepultados?


Para ler ouvindo “Bookends, Simon & Garfunkel”.